sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Kaká Werá - Parte 2 - Cura

Pela convivência incentivadora da aprendizagem, da busca do auto-conhecimento?
Pelo meu desenvolvimento, pela minha curiosidade, pela minha vontade de aprender. Eu transformei esta cura num caminho mais profundo, num caminho de auto-conhecimento. E este caminho de auto-conhecimento foi feito pela via da cultura indígena, mais especificamente pela via da filosofia guarani e tapuia, que são as minhas duas convivências maiores. Tapuia por ser a origem da minha família, dos meus pais, meus avôs. E a tupi-guarani pela convivência.

Certa vez você me contou da admiração por Orlando Villas Boas...
Tive a oportunidade de estar com ele, de passagem em uma das palestras nas escolas para educadores, no Sesc, no início dos anos 90. A partir daí, a gente teve uma conversa muito longa, ele adorava falar e transmitir, na época que o conheci, ele já tinha uma experiência de mais de 50 anos com povos indígenas e dominava seis dialetos. Então, eu o considerava um verdadeiro ancião. Eu tinha muito o que aprender e aproveitei a oportunidade.

Como podemos dimensionar os tipos de cura?
Eu acho que a gente tem que dimensionar algumas noções de cura. Tem um tipo de cura que é a cura de uma doença física, que tem os seus especialistas. Tem aquela dimensão da cura que é da cura da alma, da cura do ser, que inevitavelmente vai refletir também numa cura da expressão física desse ser. Os povos indígenas com a sabedoria indígena, embora com muitos conhecimentos de remédios que curam dores e cortes físicos, se dedica com grande notoriedade à cura da alma, à cura espiritual.

Existem diversos métodos, indígenas e não-indígenas, que são utilizados com a finalidade de alcançar um equilíbrio, uma saúde integral, harmonia e paz de espírito.
De alguma maneira na sociedade não-indígena, este é trabalho dedicado à psicologia, de uma maneira bem diferente das dos povos indígenas. Para os povos indígenas a base, o fundamento, da cura da alma é o ser humano estar em harmonia com a natureza. E ai é o mérito da cultura indígena é que essa medicina de alma é extremamente ecológica. Porque a tradição indígena vai dizer que a alma se renova através da natureza e de suas energias. Diversas tradições desenvolveram diversos métodos, diversos sistemas, para reaproximar a alma humana das forças primordiais da natureza. Água, terra, trilha, folhas e a energia do próprio sol, da lua que cura.

A reaproximação com a Mãe Terra, a natureza tão importante para o reconhecimento da natureza interior.
Sim, todos os métodos foram desenvolvidos para realizar este trabalho, que a princípio é bem primordial, bem simples. A lógica alma sadia é igual a natureza em harmonia e natureza em harmonia é alma sadia. Existe uma crença nas tradições de que a alma humana descende direto da natureza. Embora, o corpo físico e a ciência não-indigena tenha chegado numa grande complexidade de conhecimentos, da genética, da anatomia física, os povos indígenas vão dizer que além dessa influência, informação e constituição, a sua alma tem a co-origem na própria Mãe Terra. É a mesma tessitura, a mesma energia.

O que é Tupã Tenondé e suas palavras formosas?
Tupã é o equivalente a Deus. Tenondé é O Primeiro. Tupã Tenondé é uma compilação, esses registros eram totalmente orais até o século XX. São cânticos que falam de toda cosmovisão guarani dos últimos milênios, que foram passados oralmente de geração à geração, não podemos dizer desde quando, é imemorial. Estes cânticos geraram, talvez, o primeiro livro sagrado neste lado da América do Sul nas últimas centenas de anos, pelo fato de que a tradição indígena é uma tradição mais oral. Tupã Tenondé foi um livro escrito com autorização de um grande sábio guarani, chamado Pablo Werá, do povo guarani do Paraguai, porque ele sonhou que tinha que deixar registrado em livro ensinamentos que são passados de geração em geração por via oral, através de cânticos que são feitos todos os dias nas aldeias guaranis e isto provocou uma polêmica muito grande na época: de um lado pela própria comunidade que defendia que tais ensinamentos não deveriam ser escritos e, de outro lado, provocou uma surpresa muito grande, na cultura não-indígena, porque eles foram redigidos pela primeira vez por um paraguaio de nome Leon Gadogan, que recebeu a autorização de taquigrafar os cânticos enquanto o pajé cantava. E depois o pajé autorizou a escritura destes cânticos. A primeira versão foi traduzida como Ayvu Rapyta Os Fundamentos do Ser.

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