segunda-feira, 14 de setembro de 2009
Cura e Realidade
CURA E REALIDADE
“Por muito tempo acreditei que quando os pacientes se sentiam bem por negar ou atenuar a gravidade de sua condição real, tal sentimento era ilusório. Mais cedo ou mais tarde a verdade viria à tona, e o paciente acabaria destroçado junto com suas ilusões. Mas os sentimentos positivos conservam um alto valor intrínseco. Aprendi que é mais fácil exercer uma influência benéfica sobre o paciente utilizando a sua própria percepção da realidade. Hoje em dia jamais digo a meus pacientes como enxergo a sua realidade pessoal, a menos que me perguntem. E mesmo então, o faço com extrema cautela.
Os Psicólogos que se valem de sofisticadas baterias de testes comprovaram recentemente este fato óbvio: pa cientes que negam as doenças terrivelmente ameaçadoras que os acompanham, possuem maiores possibilidades de sobrevivência. Em todo tipo de cura, o impacto da participação do paciente é poderosíssimo. O sentir ou fazer as coisas positivas exerce forte influência e pode modificar os resultados finais.
Os estados de consciência e percepção causam forte impacto no processo de cura. Os conceitos atuais de doença não explicam como tais estados conseguem produzir mudanças ao nível do funcionamento orgânico. O riso libera substâncias curativas no corpo; o relaxamento diminui a pressão arterial, aumenta o fluxo sanguíneo e eleva a temperatura corporal. É possível alterar o ritmo cerebral e até a consciência da dor. A ciência ainda não explica como isto ocorre, mas nós, enquanto cultura, necessitamos com urgência destas explanações. Os curadores indígenas entendem que as perguntas importam mais que as respostas.
Herbert me apresentou a Bill Dalton, um curador Hopi que vivia em Whiteriver. Quando o conheci, ele estava esfolando um puma que fora depositado na soleira de sua porta. Anos mais tarde, Bill relatou-me um episódio ocorrido no Havaí, quando tratara de um conhecido cantor que, por motivos ignorados, não conseguia mais cantar. Depois que Bill o tratou, ele subiu ao palco e voltou a cantar. A história foi publicada em um jornal local, e alguns Kahuna, curandeiros nativos do Havaí, convidaram-no a participar de uma cerimônia. Sem saber o que o aguardava, Bill dirigiu-se ao local que lhe fora designado. Os Kahuna vendaram-lhe os olhos e levaram-no a uma caverna na encosta de uma montanha e aí removeram-lhe a venda. Bill percebeu que engatinhara por uma passagem estreita que conduzia a uma câmara. No centro da caverna estava um lago escavado em torno do qual havia degraus esculpidos. Os Kahuna cantavam e moviam os braços como os Hopis fazem em algumas cerimônias. O chefe Kahuna conduziu Bill à beira da piscina, pediu-lhe que olhasse para a água e relatasse o que via. Bill percebeu encapelamentos na superfície que não chegavam a formar ondas. Os Kahuna pediram-lhe que interpretasse sua presença. Bill vira ondulações, sabia que estavam ali, mas a montanha não estava se movendo e estavam bem acima do nível do mar. Ele não sabia porque havia ondas, mas compreendia que os Kahuna lhe haviam feito uma pergunta importante, de modo que respondeu: “Sei que as ondas existem e sei que são importantes”.
O chefe Kahuna acenou com a cabeça, despiu-se e ordenou a Bill que fizesse o mesmo. Então ambos desceram os degraus em direção à piscina. A iniciação de Bill se completara. Como eu ainda não tivesse conseguido ainda decifrar o enigma, perguntei a Bill a solução. Ele sorriu e respondeu: “Vocês brancos são todos iguais. Qual a resposta? Nem os Kahuna sabiam! Algumas perguntas não têm resposta. Bastava saber que a pergunta era importante”.
O que enxergamos não corresponde à totalidade do que existe; é apenas o que conseguimos discernir no momento. Provavelmente jamais conheceremos toda a história. Os Kahuna sabem apenas que, quando as ondulações na superfície cessarem, a civilização desaparecerá. Como, não importa. O importante é reconhecer o valor das indagações e aceitar os mistérios. A prontificação em não saber tudo nos permite entrar em contato com o lado mais intuitivo, livre e criador de nosso próprio ser. As teorias psicanalíticas se preocupam tanto com dados biográficos tais como: por quê, como, onde, quando, que falham em perceber que as respostas não geram transformação, e às vezes, até interferem.
Estamos aqui por um breve período apenas. Vamos e vimos como a luz de uma chama e às vezes, levamos muito a sério o significado de tudo. O importante é jogar da melhor forma possível, com as cartas que temos nas mãos. A sabedoria indígena ensina que a morte sabe se cuidar sozinha, que o passado e o futuro são meros reflexos do eterno agora. Nesta contínua realidade presente, nos encontramos ligados a todos os que nos precederam e aos que ainda estão por vir. Estamos aqui nos ajudando a descobrir nossa própria singularidade. O reconhecimento dessa essência nos preservará e nos religará a realidade mais ampla da dimensão espiritual. Nesse sentido todos nós um dia dançaremos a dança da cura.”
A DANÇA DOS CURANDEIROS – CARL HAMMERSCHLAG
ED. NOVA ERA
Enviado por Beth Amaral ( nossa ursa )
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